quinta-feira, 6 de agosto de 2009

POR UM DESLOCAMENTO POLÍTICO COMUM: uma crítica a mim mesmo e a todos nós

Davis M Alvim

Gilles Deleuze diagnosticou as nossas sociedades como sociedades de controle. Esse termo já é bastante conhecido daqueles que estão familiarizados aos textos do filósofo, mas vale uma breve explicação para quem o desconhece.

Os dispositivos de controle são uma novíssima modulação, nascida após a Segunda Guerra Mundial, a partir da crise daquilo que Michel Foucault chamava de sociedade disciplinar. A disciplina foi a primeira modalidade histórica do poder a incidir de forma direta e constante sobre a vida das pessoas, ela estabelecia parâmetros de pensamento, ação e prescrevia quais comportamentos eram normais ou desviantes. Costumava-se conceber os mecanismos de poder como repressores, mas na verdade essa formulação é inadequada há séculos. Na disciplina, os poderes voltavam-se não apenas para os aspectos negativos (proibição, subtração de tempo, taxação, pena de morte), mas principalmente para a vigilância, a avaliação e a incitação, passando assim a produzir forças, não mais a destruí-las. Na sociedade de disciplina predominavam os espaços fechados, com características normativas próprias, como a família, a escola, a fábrica ou a prisão, já os mecanismos de controle, como a mídia, a propaganda e o mercado, atuam principalmente ao ar livre, circulando livremente nas avenidas das grandes cidades. As paredes das instituições se tornaram fluidas e os mecanismos de controle agora estão presentes no todo social. A transição caminha da fábrica à empresa, do exame ao controle contínuo, do homem confinado ao homem endividado.


Nossas vidas hoje diferem dos antigos modelos disciplinares, modernos ou imperialistas, pois agora se pretende estimular o movimento, ou melhor, dar a ele uma forma, uma vazão ou um escoamento. Se a rígida disciplina ainda existe, ela é hoje atravessada por outras forças mais líquidas. As novas gerações passam cada vez menos tempo exercitando-se na memorização de questões escolares, paralisadas em frente ao brilho do aparelho televisor ou até mesmo lendo os tediosos jornais diários. Tais dispositivos estão sendo aos poucos trocados pelo uso de múltiplos programas de computador, pela prática de esportes ditos “radicais” ou pelo investimento de tempo e subjetividade em práticas empreendedoras que visam sobreviver em um mercado que demanda atenção incessante para com seus fluxos e oscilações. O movimento é assim capturado pela luta pela sobrevivência na precariedade do mercado.



Os novos dispositivos de poder administrativos, midiáticos e empresariais lidam de forma inédita com movimento e rejeitam abertamente a obediência cega e mecânica promovida pela antiga sociedade de disciplina. A questão passa então a ser como escapar ao controle do movimento. Seria possível intensificar os fluxos até o ponto em que os dispositivos de barragem e canalização se rompam? Tal intensificação só pode ocorrer por uma forte potência política que não perca de vista a multiplicidade, construindo no comum e no coletivo. Trata-se de uma luta contra a “interiorização do movimento” e por um deslocamento político comum. Contudo, as forças do movimento interiorizado não param de impedir o movimento para fora: estamos perpetuamente em busca de formas qualificação profissional pouco críticas, lutando arduamente pela ascensão ou pura sobrevivência na meta-instabilidade do mercado, de tal forma que, se o movimento é permitido, ele se dá por dentro de uma tubulação pré-moldada. E ainda, se nos convidam a participar de forma criativa, não é senão para a resolução de problemas na gestão dos lucros e na lubrificação do maquinário capitalista.

Movimento interiorizado versus deslocamento para fora. No primeiro caso teríamos a produção perpétua de um movimento que não apenas convém como gestor e lubrificante dos micropoderes, mas que está às voltas com uma tendência centrífuga, pois coloca a força selvagem do corpo e do pensamento a serviço da produção de uma nova modalidade de interioridade. Trata-se de um “eu” que não mais sofre por suas fraturas e descentramentos, mas que, ao contrário, torna-se um Eu-movimento, misturando de forma bizarra elementos de edipianização e técnicas de gestão empresarial. Já o deslocamento para fora é uma força centrípeta, voltando nossos olhares, ainda que de mãos dadas e com amor, para fora, convertendo comunidades Bdsms, místicas, virtuais, em organismos políticos capazes de engendrar corpos ou partes monstruosas, e não simplesmente formarem esconderijos para aquietar o desejo.

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